sábado, 14 de junho de 2014

coração mole, decepção dura. tanto dói até que cura






foto por Clara Gabriella. 5 de setembro de 2013


{ coração mole, decepção dura. tanto dói até que cura. }

2012 Eu tinha 11 anos. Sabe aquela idade em que a pessoa está transitando entre a infância e a adolescência? Essa, essa mesmo. A idade em que as opiniões começam a se formar, que tudo começa a ficar mais extremo e intenso11 anos.
Minha prima tinha vindo me visitar e, ao dar o horário de ela ir embora, me pediu pra eu acompanhá-la até o ponto de ônibus. Fiz isso com prazer; ela tinha uns 20 e poucos anos, podia muito bem ir sozinha, mas eu a acompanhei porque 1° Não tinha nada pra fazer 2° É a minha prima e eu a amo, acompanharia-a de qualquer jeito.
Até então, tudo em ordem. Foi com 11 anos que eu comecei a andar de ônibus sozinha e, consequentemente, comecei a conhecer aquele medo que a pessoa sente quando está insegura e só pelas ruas. Estava começando a me acostumar com isso. Devo frisar o começando. Até hoje, não estou cem por cento acostumada.
Despedimo-nos, minha prima tomou seu ônibus e eu fiz o caminho pra voltar pra casa. Não era muito longe, afinal. E, por ser um sábado, as ruas estavam mais movimentadas. O céu ainda não havia escurecido, estava em transição entre o dia e a noite. Eu vestia um vestidinho e chinelos.
Passando por aquele caminho em frente à entrada do CPM pra ir pra Sapetinga, vi uma menina que eu sabia ser minha vizinha – mas que eu nunca tinha falado antes – um pouco mais a minha frente. Fiquei aliviada; se algo acontecesse, eu poderia pedir ajuda a ela. Não que eu esperasse que algo fosse acontecer... Só precaução. Comecei a seguí-la, mantendo uma certa distância, já que íamos na mesma direção.
Daí então, surge uma nova figura. Um velho, lá em seus 70 anos, andando de bicicleta na direção oposta a que eu e minha vizinha seguíamos. Dei uma rápida olhada pra ele e abaixei os olhos; vi que ele me olhava e apressei o passo, tentando não deixar o meu medo óbvio.
Eu tinha decidido que não olharia pra trás pra ver o resultado desse velho. Era o que minha mãe tinha me ensinado. Fui obrigada a olhar, entretanto, ao ouvir o som de alguém caindo.
Quando me virei, vi que o velho havia caído de sua bicicleta em cima de um monte de plantas, perto do passeio. Ele viu que eu tinha notado e soltou um riso nervoso. Havia a probabilidade dele ter caído por ter se desequilibrado enquanto pedalava, já que poderia ter desviado a atenção pra olhar a mim e a minha vizinha. Parei na hora e fiquei extremamente confusa: voltar pra ajudar ou ser fria e continuar andando? Não sabia o que fazer e tinha somente segundos a decidir. E, como uma criança de 11 anos, tomei a decisão de me basear no que minha vizinha faria. Ela também se virou pra olhar, bufou e continuou andando, sem se importar. Por isso, fiz o mesmo; se ela havia feito, provavelmente é o mais correto a se seguir. Na esquina, dei uma última olhada e notei que o velho tinha conseguido se levantar sozinho.

Ao chegar em casa, soltei um suspiro de alívio por ter conseguido chegar em minha área de segurança. Levaram segundos pra que eu começasse a chorar, porém. Eu chorei muito. Chorei muito. Sentia-me desolada, decepcionada, triste, medrosa. Sentia como se eu não fosse um ser humano digno. Uma tristeza inexplicável tomou conta de mim. Eu estava decepcionada PRA CARALHO com o mundo. Só conseguia pensar no velho. E só conseguia pensar em como eu estava desenvolvendo essa desconfiança nas pessoas. Insanamente triste, joguei-me na cama e chorei até cansar. O cara podia ser só um cara normal e ter caído por diversos motivos. Eu preferi acreditar que ele podia ser um pervertido. E haviam tantas opções... Eu não podia deduzir ou adivinhar qual era a melhor, mas poderia me esforçar em ser um ser humano melhor, em ser prestativa e ajudar. E, entre mil pensamentos confusos e contraditórios, não cheguei a conclusão nenhuma. Não, minto, cheguei em uma sim: o mundo é louco, o mundo é confuso. Fiquei muito triste por isso, triste por não poder confiar nas pessoas, triste por querer ajudar as pessoas mas ter medo do que elas possam ser, triste em como as pessoas (e até eu mesma) podem ser maldosas.
Mais triste ainda fiquei quando constatei que não tinha ninguém em casa. A minha sensação de solidão aumentou – até que minha mãe ligou e notou que eu, sem conseguir consertar a voz embargada de choro pelo telefone, estava triste. Daí ela ficou preocupada e tudo o mais e eu fiquei me sentindo extremamente boba por ter dado tanta importância a um evento “normal” do dia. Era só um velho que tinha caído. Mas não era só isso.


Pode parecer bobo contando isso agora. Eu sei, parece muito bobo. Eu fico pensando nisso sempre: não precisava ter gastado lágrimas com isso.

Só que eu gastei.

Eu gastei e sofri.

E escrevi tudo isso pra chegar a um ponto só: com essa Copa acontecendo e a repressão da polícia aos manifestantes, com todo esse medo tomando conta dos manifestantes, com os ricos aplaudindo as ações VIOLENTAS da polícia MILITAR, com várias pessoas SE MACHUCANDO, sendo VIOLENTADAS por estarem se manifestando, o sentimento que estou sentindo é MUITO semelhante ao que senti dois anos atrás, por conta de “uma situação boba”.
Queria compartilhar isso.

Está tendo Copa.

Mas não deveria ter.

Força, ativistas e manifestantes.
Eu fui covarde, eu segui outros sonhos e fugi do país. Admito.
Não façam como eu.
Não fujam.
Enfrentem. 



Há braços! 



7 comentários:

  1. Fbi linda! Entendo esse sentimento, é muito triste ver como o mundo está, essa malícia, a desconfiança que somos obrigados a ter pra viver... Mas lembre-se de uma coisa, sorrindo: Don’t carry the world upon your shoulders <3 Continue buscando flutuar, leve... I water you.

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    1. Hey, (Jude) Day linda, fbi batata frita maravilhosa. Sabe que eu sempre adoro suas aparições por aqui. Muito obrigada pela força, por me acompanhar e por todos os sorrisos que você já pôs no meu rosto. Eu - você = nada. Linda! I water you.

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  2. Oh, Müller, o motivo do seu choro não é bobo, tenha certeza disso. Do jeito que o mundo tá sombrio hoje em dia é comum acontecer isso. Tem vezes que a gente entra em um breu(de vez em quando sem perceber) e não sabe se continua andando assim mesmo ou espera a luz chegar, por isso é bom sempre andar com uma lanterna(que eu conheço como cautela) . Adorei o texto(pra variar).

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    1. Ê Boaventura, quanta metáfora linda! Você aqui mais uma vez? Hahahhahaha. É assim, os dias vão passando e eu vou melhorando... Existem dias bons e dias ruins, né? Tem que saber equilibrar. Obrigada pelo comentário, mais uma vez, e por toda ajuda. Beijão pra ti, se cuida.

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  3. Esse é o primeiro texto que leio de seu blog e devo dizer que gostei bastante. Muito bem escrito e com uma história extremamente interessante.
    É incrível como crescemos com a mentalidade de que a violência pode nos trazer a paz. Essa é uma doce ilusão que apenas privilegia quem já está no poder. Que possamos achar um caminho de paz verdadeira, confrontando sem armas, mas com diálogo.

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    1. Encho-me de alegria em ler um comentário como esse. Adair, muito muito obrigada por ler meu texto e por esse comentário maravilhoso. Concordo contigo, e é por isso que sou contra a Polícia Militar; como pode uma polícia que só em seu nome, já pratica a violência? A polícia NÃO deve ser "militar". :) Acho, também, que o diálogo tem uma capacidade incrível, as pessoas tem que aprender a usá-lo.
      Um beijo e obrigada pelo comentário, novamente. Volte sempre hahahah

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  4. E lá vou eu fugir atras de ti rs :/
    Também não me orgulho, mas, a gente chega no limite, não é? A gente cansa... Talvez eu tenha me cansado rápido demais.
    Estou tentando partir d maneira mais leve e sem sentimento de culpa possível, mas ainda sinto aquela pontinha de: Tô desistindo, cara, sou fraca.
    Saudades e espero te ver logo logo (20 dias)

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