sábado, 2 de agosto de 2014

devagar, divago

É uma urgência e necessidade que me faz ir a um parque perto de casa, cheio de crianças, cachorros e árvores. Sinto que assim como a temperatura, a minha solidão interior aumenta, e o desespero que enche os meus olhos de lágrimas me faz tomar a decisão de que preciso - não, não preciso, necessito urgentemente ter um contato com a natureza e a vida, mesmo que seja através de uma falsa ilusão - as árvores que me protegem me impedem de enxergar a realidade, a crua realidade, dos prédios pelos quais estou cercada. Cercada, sufocada, presa.

Os milagrosos 36 °C permitem que eu calce havaianas, as quais dispenso após três passadas fora de casa. Hoje é papo sério. Só eu e você, natureza. Preciso que os meus pés sintam o chão, mesmo que esses sejam acimentados. Meus pés não conseguem mais diferenciar as diferentes texturas do chão do mundo, meu Deus! Eles precisam reaprender a reconhecer o prazer dos dedinhos ao encontrarem a terra geladinha, ao amassarem a grama com leveza. 


Eu chego no parque até então vazio, jogo a toalha que trouxe em um banco e jogo o meu corpo na grama, num contato direto das costas com a terra e os mil bichos que a habita. É nesse momento, exatamente nesse, quando um pássaro sobrevoa acima da minha cabeça, o céu abre um sorriso e o vento sopra uma música agitada nos meus ouvidos, é aí que eu gargalho. Alta, sonora, a gargalhada é gostosa de ouvir. É pura. É pura porque me sinto nua. Estou vestida, é claro, mas ao me deitar na grama, diretamente na grama, sinto o peso das roupas partir e tenho a impressão de estar livre, n u a, como eu nunca antes estive, pronta para ser carregada pelas nuvens. Afinal, sinto-me numa leveza extrema, como se tivesse despido tudo de mim, tanto as roupas quanto todo o peso que carrego nas costas.
Vocês não vão acreditar, eu sei que não vão, mas depois da gargalhada, meu corpo flutua. São apenas milímetros acima do chão, é verdade, só que eu me sinto flutuando. Voando. Uma expressão incrédula toma conta da minha face, já que eu penso que os meus pensamentos tenham se provado certos. As nuvens vão me levar. Morarei nos céus.


Volto à terra com um baque no exato momento em que uma criança me encara de perto e a primeira coisa que vejo é seu nariz sujinho, aquele típico olhar angelical no rosto, ar sapeca e o rosto avermelhado de cansaço. Ou talvez seja o calor. Eu a olho de volta e bato na grama ao meu lado, como a convidando para se deitar. A criança deita. 

"É bom, ou?" pronuncio, observando as nuvens disputarem uma corrida pelo céu.
"Você quer brincar comigo?" ela pergunta, e até mesmo eu - fria egoísta teimosa que não demonstra seus sentimentos com facilidade etc de acordo com o mapa astral - não seria capaz de negar um pedido tão inocente, calmo e carinhoso.

Antes que eu possa entrar no mundo mágico chamado infância, a mãe da criança aparece. Entrego-lhe um sorriso, na tentativa de desfazer o mau humor presente na sua face. O sorriso é um presente, ela que faça com ele o que quiser - consigo, entretanto, com uma pontada de decepção, mentalizá-la amassando o meu sorriso facilmente e jogando-o no lixo. 

De volta à grama, sento-me e apanho a única folha em branco que trouxe comigo e uma caneta. É isso. Tenho uma única folha em mãos e mil inspirações para enchê-la. Devo fazer isso com cuidado, contornar as palavras com delicadeza, usufruí-las de modo inteligente.
Eu as aproveito. Ao toque da caneta no papel, o meu universo muda. É quase como se eu me elevasse, "saísse do ar". Uma dessas sensações para entrar na lista das sensações não explicáveis.

Para quem estava sofrendo em casa na batalha contra a síndrome da página em branco, eu me sinto vitoriosa em estar, enfim, conseguindo escrever algo. Extremamente vitoriosa. Eu só queria um momento, um encontro, uma saída não planejada. Algo inspirador. Um encontro repentino.

E foi a partir desse meu "querer" que eu me encontrei.




(Não posso garantir que esse é um texto fiel à realidade. Fica aí pra imaginação de vocês.)

Um comentário:

  1. É melhor do que tudo ate agora. Perfeito de um modo pra entendef. Não foram as palavras ditas, foram essas não faladas, que consigiram tanta importancia.

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