domingo, 6 de março de 2016

velhice


"Eu tenho medo da velhice." segreda-me Ana num sussurro, o rosto colado ao meu, seus cílios batendo nas minhas bochechas. Seus dedos tamborilam acima do meu ombro nu, num ritmo inquieto. 
"Da velhice?" eu abro os olhos para poder encontrar a intensidão dos seus, mas esses estão fechados, por isso foco o meu olhar no movimento dos seus lábios. Ela passa a língua sobre eles e prende o inferior entre seus dentes. Seu semblante é calmo. Acaricio suas costas enquanto aguardo a resposta e sinto sua pele se arrepiar.
"Mhh... Sim. Não tenho medo das rugas, do olhar experiente e cansado, ou até, sei lá, de eu ter que usar dentadura ou dos seios caírem." ela solta uma risada e deixa seu corpo cair ao meu lado, acima do meu braço, de modo que nós dois ficamos deitados de barriga pra cima, a observar o teto do meu quarto. "Eu acho a velhice algo muito bonito, na verdade, mas... E o depois? Quero dizer, estamos sujeitos a morte a qualquer momento, isso já está claro. Mas se eu chego a envelhecer, talvez eu venha a temer a morte mais do que temo a velhice, ou?" ela continua o seu raciocínio e eu amo o tom da sua voz, amo os temas de suas discussoes, amo o quê de dúvida em suas palavras. 
"Bom, talvez a morte ser tão incerta seja o fato dela ser tão temida. Não penso que iria existir um momento certo em que eu gostaria de morrer. De um certo modo, se chegamos a envelhecer, sabemos que ela está próxima. E isso me deixaria feliz. Como um malandro que passou a perna na morte várias vezes e teve de abraçá-la no fim, depois de tanto tempo." eu deixo meu pensamento fluir e as palavras se conectarem e sinto ela se mexer acima do meu braço, virando o seu corpo e envolvendo o meu peitoral com uma de suas pernas. 
"A proximidade da morte na velhice não é a única coisa que me incomoda quanto à ela." Ana diz, muito calmamente, os dedos passeando com leveza no meu peito. "Tenho certeza de que deve ser muito emocionante ter filhos e depois conhecer seus netos e tudo isso, muito gratificante, mas a solidão também é algo muito recorrente. Quero dizer, e se eu não tiver nenhum filho? Viverei o resto da vida com amargura? Passarei minha velhice sozinha? Ou se, de repente, todos os meus amigos e conhecidos morrerem antes de mim e eu for a última deles - a quantos enterros terei que ir? Quantos cemitérios visitarei? Quanto sofrimento terei dentro de mim?" ela dá uma pausa por aí e eu sinto sua angústia e o seu medo, ainda que um tanto camuflado. Compreendo também o que ela fala nas entrelinhas - de algum modo, preocupada com o futuro, Ana está a me incluir nele, e pensa que irá me perder. Conseguir interpretá-la é fruto dos nossos muitos anos juntos. 
"Esses são riscos que você corre ao estar vivendo." falo numa entonação um tanto melancólica. "A minha opinião é de que nada é por acaso. Você conhece minha avó, por exemplo. Tem Alzheimer agora, você sabe, uma situação estressante. Esquece de tudo o tempo todo. É teimosa. Pra lidar com alguém assim, é necessário ter muita paciência. Pode acontecer com qualquer um de nós." vejo ela abaixar a cabeça quando eu falo isso, mas eu prossigo. "Só que... Toda ação tem uma reação. Não é a toa que ela tem Alzheimer. Pode ser uma doença que não tem cura, mas origem com certeza deve ter."
"Você acredita mesmo em destino, que tudo o que você faz está diretamente ligado ao futuro?" ela questiona, não caçoando, tampouco descrente, mas curiosa.
"Sim. Pra mim, toda ação tem uma consequência. Um efeito positivo ou negativo. E ser negativo ou positivo depende muito da pessoa que está sofrendo e da interpretação feita sobre a situação. Nem sempre o que é bom pra mim vai ser bom pra ti, né." 
"Você está praticamente dizendo que sua avó mereceu essa doença."
"Não digo isso, digo que ela nunca se interessou por leitura, sempre foi bem metida, não tinha interesse em trabalhar o raciocínio e o pensamento, coisas assim. Tenho certeza que nas conversas de cama com meu vô ela não falava sobre a velhice." sou acompanhado na risada que dou a seguir.
Ana se aninha nos meus bracos, bem pensativa. Depois de poucos minutos, solta uma outra risada e diz. "Não, com certeza não. Existem coisas melhores pra fazer aqui." eu vejo seu sorriso malicioso, acaricio seu rosto levemente. "Bem... Espero que independente da idade, porque nós iremos envelhecer juntos, meu bem, você nunca perca sua disposição." Encosto meu rosto no seu, junto nossos lábios. Hora de eu me conectar a ela, corpo, alma, desejo e paixão sintonizados. 

2 comentários:

  1. Obrigado! Palavras sabios e bonitos!

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  2. Caramba, irmã... Tá permitido me orgulhar de você?
    Tô aqui me fascinando com seus textos mais uma vez e me faz até sentir vontade de escrever de novo!
    Você faz muitas lindezas!

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